quinta-feira, 13 de junho de 2019

No Brasil popular a, adoração a um ídolo

Os maus profissionais e os maus políticos prestam um serviço aos profissionais da psicologia. Devo agradecer a eles o movimento sem precedentes que provocaram em nossa clínica, e devo lamentar o estado emocional em que se encontra uma multidão de pessoas que confundiram os rumos de sua vida pessoal com os rumos da vida política nacional.

A finalidade aqui é tentar evitar um mal maior, como os numerosos casos de suicídio, de insatisfação geral desta multidão e de seu último estágio: a apatia total, dependência de medicamentos tarja preta e a perda da capacidade de relacionamento com os próprios familiares.

Ilustrando a contradição

Vou apresentar um cenário que ilustra muito bem a situação desta multidão de insatisfeitos, que expõe o estado em que se encontram:

Um rapaz tem o seu celular roubado por um ladrão muito conhecido no bairro. Sem ter chamado a Polícia, esta aparece. Os policiais param e interrogam a vítima. Esta diz o seguinte:

"Não quero dar queixa. Deixem o assaltante em paz. Não se metam."

Os policiais, é claro, perguntam:

"Mas como assim. Nós vamos atrás dele e recuperar seu celular. Por que você não quer ajuda, se ele te roubou ?"

Após hesitar muito, a vítima responde:

"Ele rouba a gente, mas de vez em quando deixa alguma coisa comigo, um dinheirinho, um saco de arroz, um refrigerante, ou outra coisa".

Está surpreso com algo que ocorre assim ? É essa a metáfora do estado mental de uma série vasta de pessoas que estão se consultando em nossa clínica.

Subvalorização do eu

Estas pessoas a que me refiro estão profundamente doentes com a derrota do governo popular de Dilma Roussef. O diagnóstico exato do estado de sua mente ainda é primário. O pensamento destas pessoas, que se voltaram para a adoração de Lula expressa uma "Subvalorização do próprio eu". Elas colocaram Lula num pedestal inatingível para si mesmas. Muitas tinham cargos políticos, estavam bem, estavam viajando e tinham cargos que as faziam se sentir importantes.

O adorador de ídolos, sejam políticos, músicos, atores, esportistas ou assemelhados, diz para si mesmo:

"Eu não vou conseguir me igualar, sequer me aproximar desta pessoa que atingiu tanta notoriedade".

Esta pessoa arrasta mais um ou dois, em seu caminho, e o resultado é uma corrente de adoradores que começam a promover, sem descanso, a imagem daquele ídolo.

E vejam, na situação que ilustramos acima, que mesmo o ídolo (ladrão conhecido no bairro) roubando um bem valioso da pessoa, do fã, este ainda quere afastar a polícia, símbolo da autoridade, da situação.

Conselho

A todos vocês, que estão nesta situação lamentável eu recomendo a procura de ajuda. Cada ser humano nasceu com capacidades e dons, podendo ser, após um trabalho de vida, com disciplina, seu próprio ídolo. É preciso recuperar o seu amor próprio, ou não podemos garantir nada em relação ao seu futuro.

Procurem ajuda.


segunda-feira, 3 de junho de 2019

Inveja - do ser e do ter

Já falei muito sobre a INVEJA, mas nunca tive tempo de escrever objetivamente sobre ela. Os artigos que encontramos falam mais da sua ética e espiritualidade do que propriamente da parte clínica. Limitam-se a dizer que ela é prejudicial, que se constitui em pecado, e dão conselhos absolutamente infantis para se livrar dela, ou pelo menos não pensar sobre ela.

Aqui eu pretendo tratar de um caso real, elucidativo, útil. O assunto é muito vasto, e podem esperar que retornarei a ele no futuro.

Remexendo as gavetas

Entre minhas centenas de gravações, devidamente autorizadas pelos pacientes, encontrei uma, de 10 anos atrás, que demonstra, em muito, a falta absoluta de lógica deste que é um Pecado grave da raça humana, e que levou ao extremo de se ver um irmão matando o outro, como no emblemático caso de Caim e Abel, que inaugurou o homicídio na raça humana. Mas casos como este são frequentes na divisão de heranças. Como dizia a música "Pecado Capital" de Paulinho da Viola (se não me engano), em uma estrofe:

"Irmão desconhece irmão"

Mas vamos ao nosso paciente, a que chamarei de João. João era um rapaz entre seus 40 e 50 anops, de origem pobre, cuja mãe e irmãos foram abandonados pelo pai, quando era ainda criança (terei que omitir a idade correta).

Na época em que veio se consultar em nossa clínica, ele o fez justamente para resolver mentalmente esta dificuldade que o atormentava (o abandono por parte do pai). Já se encontrava empregado, com a vida resolvida, tranquila e normal como a de qualquer trabalhador.

E nesta mesma época. eu, de minha parte, estava resolvida a ser um pouco mais ativa com os meus pacientes, deixando de só ouvir para também falar e fazer perguntas.

As primeiras sessões foram de coleta de dados. Origem humilde, alguns irmãos, a mãe, uma casa de favela, dividir leite, pão, arroz e feijão, e muita brincadeira. Mas começou a trabalhar bem cedo, vendendo picolé na rua. O estudo, por este motivo, ficou atrasado, mas no Brasil o supletivo resolve.

Mas notei que esta mágoa do pai ocupava cada vez menos tempo da terapia, em ritmo até acelerado, O assunto trabalho ficava cada vez mais volumoso. Eu tive a sensação errônea de que estava perdendo o foco do caso. Algumas vezes quase cochilei, pois, a todo momento, esperava que ele focasse na mágoa em relação ao pai.

Surge a Inveja

Como disse, a motivação e o foco da conversa, para mim, deveria ser sobre o Abandono ou Perda. Mas o assunto Trabalho, junto com o foco no dinheiro passou a ser cada vez mais frequente. Resolvi investigar esta linha de raciocínio, pois ai poderia pegar o real fio da meada do problema deste paciente.

João foi enumerando as aspirações absolutamente normais dos trabalhadores que se podem resolver, tendo dinheiro, como:

  • Veículo (já havia adquirido um bom);
  • Residência (pagava aluguel, mas dividia com um ou dois colegas fixos);
  • Viagens (já havia ido 2 vezes a Miami, viajava para ir a shows caros);
  • Baladas (2 ou mais vezes no mês);

Num determinado dia das sessões, bem a vontade, ele soltou a frase que me acordou:

"Eu queria ter o salário do meu colega"

Este colega ganhava mais do que ele (óbvio).

Fiquei muito satisfeita, não pelo tipo de pensamento, mas porque agora o caso adquiria cunho pessoal, e assim seria mais fácil ir a fundo no problema de João.

Enquanto um paciente está apenas falando de ideias, teorias e conceitos, podemos sempre desconfiar que está repetindo coisas que ouviu, que leu ou está querendo construir uma imagem politicamente correta de si mesmo. Agora, depois de citar um sentimento deste, em relação a um colega, podíamos afirmar que ele estava falando, sim, algo que vinha dele mesmo. Nem preciso dizer que terapia é um trabalho de paciência.

Comecei a questionar, desta forma, o paciente João:

"Você tem certeza de que ele ganha mais do que você ?"

Ele respondeu que sim, pois o colega era um Analista Financeiro, e ele um Auxiliar Administrativo. A empresa possuía uma norma que elucidava a distância hierárquica entre uma e outra carreira.

Perguntei:

"Ele é casado, tem filhos ?"

Ele respondeu que sim. Era casado de anos, e tinha um filho universitário. João nunca tivera filhos.

Sabiamente fiz a pergunta inversa a que outros profissionais teriam feito:

"Ele sabe como é a sua vida ?"

A pergunta que sempre se faz é "você sabe como ´pe a vida dele ?". Queria, com isso, provocar um choque na mente de alguém que estava, claramente, com sentimentos de inveja do seu próximo.

Após uns minutos, olhando admirado para mim, ele disse:

"Eu não falo da minha vida para os outros ?"

E eu:

"Mas você está especulando sobre a vida dele. Você se resguarda que invadam sua intimidade, mas não tem nenhum escrúpulo em especular sobre a vida do colega".

Ele começou a se explicar, na base das observações visíveis, acerca do colega, para poder tirar suas conclusões.

Perguntei:

"Ele se veste bem ?"

Ele explicou que o colega em questão se vestia mal, revezando apenas dois tênis, frequentemente não fazia a barba, usava um cinto velho e um casaco surrado no inverno.

Observei:

"Você repara muito nele, não ?"

E ele:

"A gente olha todo mundo no trabalho, todo dia."

E finalmente, fiz a pergunta que os profissionais fazem:

"Você sabe, realmente, como é a vida dele ?"

E João:

"Na realidade, com os detalhes, claro que não."

E então eu fui direta, até para desafiá-lo:

"João, você está é com inveja dele."

Ele sentiu enorme desconforto, inclinou a cabeça para o lado, como fazia quando algo não o agradava, e ficou olhando para mim. Quero ressaltar que não faço de minha profissão meio de subsistência. Psicologia não é comércio. Se o paciente desagradar do que falo, e assim não voltar mais, eu não estou aqui para mantê-lo, mas para ajudá-lo.

E fiz questão de fazer uma coisa que desse um tom bem dramático para aquele momento, que podia ser decisivo, na vida de João. Encerrei a sessão, e disse a ele que retornasse, se desejasse.

Ele saiu, fingindo normalidade.

O que aconteceu depois

João voltou. E voltou bem mais assertivo quanto ao seu problema. Confessou que o problema do pai já deixara de incomodá-lo a alguns anos. Este problema, já passado, serviu de ingresso apenas, para incômodos que ele sentia, e não sabia explicar direito.

Vendo minha sinceridade, vendo que eu não fazia o que fazia para "prender o paciente", ele colaborou para que, juntos, identificássemos o real problema dele, em relação ao colega.

A inveja dele residia muito mais no aspecto de seu colega ser o que era. Este fora educado por uma boa família, tinha personalidade, não ligava para bens materiais, era inteligente e comunicativo, sendo amado pelos colegas. O aspecto econômico contava menos, pois tinha colegas que até ganhavam mais, no entanto ele queria esquecer que existiam. Mas o salário ainda podia ser considerado como foco secundário.

João também era materialista. Combinando os aspectos, eu deduzi que, no fundo, ele queria, ou imaginava, que a infância do colega fora melhor que a sua, e ele queria tê-la tido. E o leitor pode constatar que isto é IMPOSSÍVEL.

Conselho que se dá ao invejoso

O Invejoso precisa descobrir o seu real valor, não em comparação com os outros, e sim o valor que o torna único na sociedade, Cultuar um ídolo, na juventude, é normal, como apoio. Depois, é preciso descobrir a própria identidade, pois senão corre o risco de arruinar a própria vida, ou a vida dos outros.