quinta-feira, 16 de maio de 2019

O Socialismo visto sob olho clínico

Aprendi que não devemos perder as oportunidades que nos são apresentadas, no correr de nossas vidas.

O momento social-político brasileiro está fornecendo terreno propício para a análise da psiquê do brasileiro. Quem observa este povo constata que ele é único. É o povo mais contraditório que já habitou a face da terra. E as provas tem vindo aos nossos consultórios. Vou citar algumas espécies de casos, todos com pelo menos 4 correspondentes em número de pacientes.

Ex-militantes do MST

Este tipo escolhi por serem mulheres, daí eu ter uma empatia e identificação, por também ser mulher.

A vida destas começou como cozinheiras ou professoras, que entraram no MST para auxiliar "aquelas pessoas necessitadas que ficavam acampadas".  Estas mulheres acreditavam que estavam sendo úteis. As cozinheiras não estranharam, à princípio, a constante disponibilidade de cestas básicas nos acampamentos (e trabalharam em mais de um, pelo menos. As professoras admiravam a organização dos acampamentos. O que aborrecia estas últimas era o autoritarismo, mas a níveis suportáveis. Algumas escolas de assentamentos, segundo essas mulheres, ganharam prêmios. Outras os ganharam pelos modelos agrícolas que adotaram.

Além do Autoritarismo, havia a constante insistência com a doutrinação das crianças em torno dos valores do socialismo, solidariedade e ênfase no coletivo. Em se tratando de um movimento popular, foi-lhes explicado que isto devia ser garantido.

Destas mulheres, pelo seu trabalho e engajamento, a algumas foi proposto partir para a militância mais séria. Já ganhavam um salário. A origem era a contribuição voluntária de 10% dos salários dos políticos do Partido dos Trabalhadores, acrescidos daqueles originários dos indicados pelo Partido para as estatais federais, estaduais e municipais, fosse em cargos de chefia, fosse em cargos de assessor. E na proximidade das eleições, era pedida uma contribuição maior, equivalente a um salário destes gerentes. Esta foi uma das principais razões que manteve estas mulheres no movimento. Em qual emprego se pode ter um salário garantido, com a assistência de um movimento presente em todo o país, com o público alvo interessado e fiel, e com a possibilidade de entrada no universo político.

Todas destacaram que como cozinheiras, diaristas ou professoras, no mercado de trabalho comum, não havia a possibilidade de entrarem no mundo político. A transição, é claro, exigia um sacrifício, em tempos de eleição. Ficar na porta de fábricas, empresas estatais, supermercados e outros estabelecimentos chave, determinados pelo movimento, distribuindo santinhos e tentando arrebanhar mais gente para o Partido.

Mas o que as trouxe ao consultório, já que desfrutavam de tanta "felicidade" e realização profissional ?

O Paraíso e a queda

Algumas delas ganharam cargos nas empresas estatais. Tudo começou a ficar muito bom. Puderam fazer tratamento dentário. Não fosse o salário de até R$ 16 mil reais, jamais sonhado por elas, ainda havia o Plano de Saúde, geralmente muito bom. Puderam adquirir boas roupas. Ainda havia o Vale Refeição e o Vale Alimentação.

A aceitação pelos empregados das empresas onde acharam abrigo foi fria. No movimento, o calor humano prevalecia. Mas o dinheiro ia acertando a vida da família. Tiveram acesso ao crédito fácil da Era Lula e da Era Dilma. Algumas só pegaram a fase Dilma.

Mas como quando mais se tem, mais se quer, elas se descontrolara, no entusiasmo do crédito do cartão. Não sabiam que política é a arte de atender interesses. Era preciso dar lugar ao máximo de pessoas que se sacrificaram pelo partido. Algumas eram exoneradas, com a devida recompensa, maior parte para cobrir o saldo dos empréstimos. A maior parte voltou ao movimento, mas algumas se magoaram, e voltaram à vida normal. Mas a família cobrava pelos benefícios financeiros de antes. A vida em família se tornou tensa, até que a família se acostumasse com a situação menos favorecida.

É preciso preparo emocional para sair de uma situação de conforto para recair na vida simples. Nenhuma fez uma poupança, pois acreditavam que os cargos durariam para sempre. A única poupança foram algumas amizades sinceras, sejam físicas, sejam virtuais.

Estas mulheres dissertam textualmente:

"Pudemos comprar os melhores perfumes, as melhores roupas, reformar a casa" ou "tivemos vida de ricas por uns instantes".

As que realmente tem a vocação social voltaram aos acampamentos, e sabem que podem ter uma nova chance. Porém, as mais materialistas se ressentem fortemente da ascensão e queda num espaço de tempo que não foi o suficiente para fazerem uma poupança. Sobre estas o efeito do salário alto foi muito grande.

Perguntei se não tinham motivação para fazer algum empreendimento. Apenas uma admitiu a hipótese de abrir um restaurante.

Hipóteses

O número de casos me permite concluir que não foi propriamente o dinheiro que as seduziu. Eram pessoas, a princípio, solidárias. Os depoimentos deixaram transparecer a vaidade da aparência pessoal. Tem saudade do tempo que podiam entrar numa loja e comprar uma boa roupa, ou ficar por até 4 horas num bom salão de beleza, sendo paparicadas e ficando bonitas.

Uma constatação ruim, a meu ver, é a eterna fraqueza humana. Elas perderam, em sua maioria, o interesse pelo social, se preocupando mais consigo mesmas,

E, estejam atentos, assim como estas vieram com problemas psicológicos ao consultório, existem muitas outras que permanecem no caminho do social, a espera de uma experiência com o conforto.

Em outro artigo poderei expor mais impressões em relação a outras situações deste momento conturbado da vida nacional.