O momento social-político brasileiro está fornecendo terreno propício para a análise da psiquê do brasileiro. Quem observa este povo constata que ele é único. É o povo mais contraditório que já habitou a face da terra. E as provas tem vindo aos nossos consultórios. Vou citar algumas espécies de casos, todos com pelo menos 4 correspondentes em número de pacientes.
Ex-militantes do MST
Este tipo escolhi por serem mulheres, daí eu ter uma empatia e identificação, por também ser mulher.A vida destas começou como cozinheiras ou professoras, que entraram no MST para auxiliar "aquelas pessoas necessitadas que ficavam acampadas". Estas mulheres acreditavam que estavam sendo úteis. As cozinheiras não estranharam, à princípio, a constante disponibilidade de cestas básicas nos acampamentos (e trabalharam em mais de um, pelo menos. As professoras admiravam a organização dos acampamentos. O que aborrecia estas últimas era o autoritarismo, mas a níveis suportáveis. Algumas escolas de assentamentos, segundo essas mulheres, ganharam prêmios. Outras os ganharam pelos modelos agrícolas que adotaram.
Além do Autoritarismo, havia a constante insistência com a doutrinação das crianças em torno dos valores do socialismo, solidariedade e ênfase no coletivo. Em se tratando de um movimento popular, foi-lhes explicado que isto devia ser garantido.
Destas mulheres, pelo seu trabalho e engajamento, a algumas foi proposto partir para a militância mais séria. Já ganhavam um salário. A origem era a contribuição voluntária de 10% dos salários dos políticos do Partido dos Trabalhadores, acrescidos daqueles originários dos indicados pelo Partido para as estatais federais, estaduais e municipais, fosse em cargos de chefia, fosse em cargos de assessor. E na proximidade das eleições, era pedida uma contribuição maior, equivalente a um salário destes gerentes. Esta foi uma das principais razões que manteve estas mulheres no movimento. Em qual emprego se pode ter um salário garantido, com a assistência de um movimento presente em todo o país, com o público alvo interessado e fiel, e com a possibilidade de entrada no universo político.
Todas destacaram que como cozinheiras, diaristas ou professoras, no mercado de trabalho comum, não havia a possibilidade de entrarem no mundo político. A transição, é claro, exigia um sacrifício, em tempos de eleição. Ficar na porta de fábricas, empresas estatais, supermercados e outros estabelecimentos chave, determinados pelo movimento, distribuindo santinhos e tentando arrebanhar mais gente para o Partido.
Mas o que as trouxe ao consultório, já que desfrutavam de tanta "felicidade" e realização profissional ?
O Paraíso e a queda
Algumas delas ganharam cargos nas empresas estatais. Tudo começou a ficar muito bom. Puderam fazer tratamento dentário. Não fosse o salário de até R$ 16 mil reais, jamais sonhado por elas, ainda havia o Plano de Saúde, geralmente muito bom. Puderam adquirir boas roupas. Ainda havia o Vale Refeição e o Vale Alimentação.A aceitação pelos empregados das empresas onde acharam abrigo foi fria. No movimento, o calor humano prevalecia. Mas o dinheiro ia acertando a vida da família. Tiveram acesso ao crédito fácil da Era Lula e da Era Dilma. Algumas só pegaram a fase Dilma.
Mas como quando mais se tem, mais se quer, elas se descontrolara, no entusiasmo do crédito do cartão. Não sabiam que política é a arte de atender interesses. Era preciso dar lugar ao máximo de pessoas que se sacrificaram pelo partido. Algumas eram exoneradas, com a devida recompensa, maior parte para cobrir o saldo dos empréstimos. A maior parte voltou ao movimento, mas algumas se magoaram, e voltaram à vida normal. Mas a família cobrava pelos benefícios financeiros de antes. A vida em família se tornou tensa, até que a família se acostumasse com a situação menos favorecida.
É preciso preparo emocional para sair de uma situação de conforto para recair na vida simples. Nenhuma fez uma poupança, pois acreditavam que os cargos durariam para sempre. A única poupança foram algumas amizades sinceras, sejam físicas, sejam virtuais.
Estas mulheres dissertam textualmente:
"Pudemos comprar os melhores perfumes, as melhores roupas, reformar a casa" ou "tivemos vida de ricas por uns instantes".
As que realmente tem a vocação social voltaram aos acampamentos, e sabem que podem ter uma nova chance. Porém, as mais materialistas se ressentem fortemente da ascensão e queda num espaço de tempo que não foi o suficiente para fazerem uma poupança. Sobre estas o efeito do salário alto foi muito grande.
Perguntei se não tinham motivação para fazer algum empreendimento. Apenas uma admitiu a hipótese de abrir um restaurante.
Hipóteses
O número de casos me permite concluir que não foi propriamente o dinheiro que as seduziu. Eram pessoas, a princípio, solidárias. Os depoimentos deixaram transparecer a vaidade da aparência pessoal. Tem saudade do tempo que podiam entrar numa loja e comprar uma boa roupa, ou ficar por até 4 horas num bom salão de beleza, sendo paparicadas e ficando bonitas.Uma constatação ruim, a meu ver, é a eterna fraqueza humana. Elas perderam, em sua maioria, o interesse pelo social, se preocupando mais consigo mesmas,
E, estejam atentos, assim como estas vieram com problemas psicológicos ao consultório, existem muitas outras que permanecem no caminho do social, a espera de uma experiência com o conforto.
Em outro artigo poderei expor mais impressões em relação a outras situações deste momento conturbado da vida nacional.